Se este produto fosse vendido hoje, o menino negro teria de ser substituído por um branco e com todos os dentes. Mas o doce não sobreviveria, é politicamente incorreto. Então o cigarro desapareceria da mão da criança branca e seria transformado em um apito. Um apito de chocolate. Detalhe: cresci comendo os tais cigarrinhos e nunca senti vontade de fumar. E ainda tenho todos os dentes, apesar de tudo.
Ontem eu li que está sendo produzido um desenho do Sítio do Pica-pau amarelo. Parece que vai ser uma série, algo assim. O negócio que me deixou apreensivo, talvez até chateado, é que vão transformar a obra do pobre do Lobato. Depois da polêmica do ano passado, quando cortaram um livro do sujeito, porque tinha conotações racistas, agora mais essa. Vão acabar com o pó de pirlimpimpim. Pra não parecer outro pó. Se inicialmente as personagens do Sítio cheiravam o danado, depois passaram a borrifá-lo nas pessoas e agora ele desaparece. Vai se tornar um mantra. E estão propensos a sumir com a Tia Nastácia. Julgam que estes maus exemplos não contribuiriam para a educação decente das crianças.
Mas essas atitudes não são exclusivas do mercado brasileiro. A brincadeira tem filiais pelo mundo inteiro. Há alguns anos li uma notícia que iriam mudar a Bíblia, Deus passaria a ser homem e mulher. Quando fosse citado, a nova impressão traria assim: Naqueles dias Ele/Ela disse… Alguns radicais queriam trocar Ele por Ela e ponto final. Deus deveria ser feminino. Bom, nos cursos de Letras, era uma discussão linguística resolvida há até poucos anos.
Todos os grandes escritores do mundo já foram retocados, se não pela hipocrisia do politicamente correto, pelas armadilhas da imprensa. Será que não existe uma maneira de preservar a obra? Porque o autor passa. Não é injusto atentar desta maneira contra a arte de um morto?