Hienas do pano verde

Martha Hyer

Martha Hyer

O filme é de 1957 e com Tony Curtis no papel principal ninguém pode dizer que é uma obra-prima. A história é bem simples: um garçom vê uma mulher linda (Martha Hyer) aparecer no restaurante em que trabalha e logo se apaixona. Só que a fulana é milionária e bem metida. Já a irmã (Kathryn Grant), tão estonteante quanto, cai de amores por Cory, o tal vagabundo. Cory sabe jogar pôquer muito bem e decide se tornar um apostador – o jeito mais fácil de amealhar uma grana para conquistar a amada. Finalmente reconhece que Abby Vollard (Hyer) não é mulher para ele. Mas como o cara é o galã do filme e precisa terminar com alguém, lá está a pobre Jen (Grant) esperando por ele. Até aí os setenta e poucos minutos passam rapidinho. O que torna este filme especial, bem como a maioria dos que foram produzidos naquela época, são os diálogos – inteligentes e certeiros. Como quando Jen vai procurar Cory:

Cory – Mas agora vamos falar de você.

Jen – Ah, meu assunto predileto.

Sobre o título: é claro que em português ficou muito melhor, mais irônico e deu um certo charme à película. Em inglês é sem graça: Mister Cory.

Kathryn Grant

Kathryn Grant

Janela

Eu acordo e imediatamente começo o meu trabalho e do meu quarto posso ver várias árvores e alguns pássaros que se acostumaram com o egoísmo humano e não adiam o voo por causa das urgências da cidade. Dois dias da semana eu trabalho no final da tarde, então, às vezes um casal de saguis me examina e de vez em quando parece que riem de mim.  Sempre deixo o que estou fazendo e tento me comunicar com eles. Ontem à  noite uma aranha estava prestes a assaltar um mosquito: queria roubar-lhe a vida. Um canto da janela está verde no terceiro andar: as pequenas plantas em seus vasos tingem de ironia a poluição desta tarde inalcançável.

Cora Coralina

cora

Nos anos 80, a cidade de Jaboticabal, no interior paulista, tinha uma livraria muito respeitada em todo o país e lá aconteciam sessões de autógrafos de todos os grandes escritores da época. O local era frequentado por músicos e intelectuais em geral. Seu proprietário a fechou no final dos anos 90 por falta de leitores. Estando em Jaboticabal neste final de semana, fuçando na pequena biblioteca de minha sogra, encontro a primeira edição de “Meu livro de cordel”, de 1976, da escritora goiana Cora Coralina. Ao folhear a obra, para minha surpresa, me deparo com um autógrafo, longo e carinhoso, para uma tia minha, escrito em 1984, na Livraria Acadêmica, em Jaboticabal. Como coleciono livros autografados, vou tentar convencer a minha sogra a me dar a edição.

Xi…

Pissing_elephant

A falta de estacionamento e a obrigatoriedade da boa convivência com vizinhos em um prédio são dois dos grandes problemas da humanidade de hoje. A minha vizinha abre a porta de seu apartamento, que dá de frente para o nosso, todo dia por volta das dez da manhã, por dois motivos. Primeiro e não tão importante: para aguardar, com seu robe escondendo os horrores da terceira idade, a chegada do namorado,  e segundo: para que seu lindo cachorrinho todo bem cuidado de banhos semanais no pet-shop com atendimento delivery faça xixi na porta do nosso apartamento. Ora, nossos três gatos odeiam cachorro e, por extensão e consequência, xixi de cachorro, então ficam agitados com o odor e inquietos o dia inteiro se não vamos lá limpar. Acho criancice e cretinice ficar denunciando a nubente terceiridadista toda semana ao síndico, que, diga-se de passagem, é companheiro de futebol-de-salão-de-sábados e está pronto para aplicar uma multa na sorridente senhora. Outro dia pedimos a ela que limpasse a sujeira ou então amarrasse uma fralda no incontinente poodle. A resposta foi mais ou menos nesse tom, tão educado quanto  nosso pedido, embora um pouco mais irônico: eu  não limpo a minha casa, vou limpar a dos outros? Sobre a fralda, ela justificou algo como gastar dinheiro à toa. Se ela gosta do cachorro? Só para dar uma dica: é o quarto em um ano. Ela faz o seguinte acordo com a loja onde os compra: se não gostar, devolve e tenta outro. Test drive canino.

Primo Levi e Figos-da-Índia

Não faço mais crítica literária. Porque cansei de perder tempo pesquisando, pesquisando, estudando e estudando, para escrever um texto de não-ficção, de quarenta, cinquenta linhas, que no fundo me entediava. Agora toda a pesquisa a que me dedico é para escrever ficção. Às vezes pesquiso em sete, oito, nove livros para conceber uma única linha, mas é uma linha precisa, com uma acuracidade a toda prova.

Isto não quer dizer, entretanto, que eu não vá comentar por aí o que ando lendo.

Terminei a leitura de um livro ontem à noite, mas ainda não estava com sono. Fui até a estante e escolhi duas outras obras: uma antologia de contos, “O último Natal de guerra”, de Primo Levi, publicada pela Berlendis & Vertecchia, em 2002 e uma de poesias, “Figos-da-Índia”, da atriz Christiane Tricerri, publicada pela Arte Pau-Brasil, em 1994. Sobre o livro do italiano Levi, que fez da sua literatura uma comovedora denúncia da desumanidade dos campos de concentração pelos quais passou, comentarei oportunamente em cidadedevolvida. Antes, porém, escreverei lá algo sobre o romance de Guy Corrêa, O hóspede perplexo. Gostaria agora de compor alguns comentários sobre o volume de poesias da Tricerri. Há alguns versos que valem o livro e que tiveram esse poder de me animar e ao mesmo tempo me inspirar:

“e por ora morre” , que encontrei em “Cisne”.

“distante, uma letra escrita à mão,

não calculável.” , que encontrei em “Noites sem estrela”.

Erótica, feminina, é uma poesia que se ocupa do cotidiano, um cotidiano enlatado e entregue com descuido para o consumidor/espectador/leitor. Desleixo transformado em arte. Transcrevo a poesia que fecha o livro e da qual gostei particularmente:

Última canção em Paraty

Tem de tudo aqui.

Até espuminha de leite

no Café Paraty.

tem um casal

que eu namoro

logo ali.

E tem um teatro e festival.

Tem umas muquecas

muito carregadas de dendê.

E umas ciganas querendo ler

as minhas linhas.

Mas eu não deixo não,

é tudo enganação.

E fico ali, na esquina

do princípio.

Querendo saber se o Marcus

está bem e se a Raquel

ainda me ama.

O Boris e o Yan em Campinas,

e eu aqui, escrevendo

à sombra do Café Paraty.

Só paro para olhar moço bonito

que passa empurrando a bicicleta.

E pra lembrar que já é hora

de me deixar partir.

Último café.

Ainda trago o frio banho

do rio na manhã

naquela ponte que não

tem fim.

Youtube de novo

Em seu livro “A writer’s life”, traduzido para o português por Donaldson Garschagen e publicado pela Companhia das Letras no Brasil, Gay Talese conta a história de Liu Ying, a jogadora do time de futebol feminino chinês, que perdeu um pênalti na final da Copa do Mundo de 1999 contra a seleção dos Estados Unidos.

Por que escrever?

Escrever é um ato de egocentrismo e publicar é a prova material desta bobagem. O escritor começa a rabiscar as primeiras frases quando nem é escritor ainda e já se acha o novo gênio da literatura, o Joyce contemporâneo. Ninguém publica para conseguir amigos, mas luta por amizades que facilitem seu ofício literário. Que não são amizades, óbvio. Funciona assim: você me bajula, eu bajulo você e quem sabe um dia a gente até acaba na cama? Ou quem sabe essas bajulações rendem um prêmio literário ou uma palestra ou uma vendazinha de livros, que no final acabam mesmo num boteco da moda com  muita cerveja e roupa de grife. Mas no fundo ninguém tem nada a dizer, porque, na minha opinião, tudo já foi dito e o que foi dito de interessante alguém precisa de trezentos anos para ler, no mínimo, e isso se se dedicar somente à leitura. Porque as coisas são assim: escrever é fácil, qualquer um tem blog hoje em dia e um contato aqui e um padrinho ali até descola uma boa editora. Mas trabalhar é outra história. Ser um Newton ou um Einstein não é tarefa fácil. E mais, muito mais: entender Einstein não é para qualquer um. Compreender Joyce é muitas vezes mais fácil do que desvendar Einstein. E digo isso com conhecimento de causa. Ou alguém aqui é ingênuo de pensar que Newton não gostava de uma passada de mão na cabeça? É tudo questão de egocentrismo e vaidade. Muita vaidade.

O lutador de novo

Conseguem ler lá no cartaz ao fundo? ” Testemunhe a ressurreição”. Isso mesmo. Essa foto foi tirada durante a prémière do filme, em Los Angeles e Mickey Rourke não está tão feio quanto no filme, não?

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