Não faço mais crítica literária. Porque cansei de perder tempo pesquisando, pesquisando, estudando e estudando, para escrever um texto de não-ficção, de quarenta, cinquenta linhas, que no fundo me entediava. Agora toda a pesquisa a que me dedico é para escrever ficção. Às vezes pesquiso em sete, oito, nove livros para conceber uma única linha, mas é uma linha precisa, com uma acuracidade a toda prova.
Isto não quer dizer, entretanto, que eu não vá comentar por aí o que ando lendo.
Terminei a leitura de um livro ontem à noite, mas ainda não estava com sono. Fui até a estante e escolhi duas outras obras: uma antologia de contos, “O último Natal de guerra”, de Primo Levi, publicada pela Berlendis & Vertecchia, em 2002 e uma de poesias, “Figos-da-Índia”, da atriz Christiane Tricerri, publicada pela Arte Pau-Brasil, em 1994. Sobre o livro do italiano Levi, que fez da sua literatura uma comovedora denúncia da desumanidade dos campos de concentração pelos quais passou, comentarei oportunamente em cidadedevolvida. Antes, porém, escreverei lá algo sobre o romance de Guy Corrêa, O hóspede perplexo. Gostaria agora de compor alguns comentários sobre o volume de poesias da Tricerri. Há alguns versos que valem o livro e que tiveram esse poder de me animar e ao mesmo tempo me inspirar:
“e por ora morre” , que encontrei em “Cisne”.
“distante, uma letra escrita à mão,
não calculável.” , que encontrei em “Noites sem estrela”.
Erótica, feminina, é uma poesia que se ocupa do cotidiano, um cotidiano enlatado e entregue com descuido para o consumidor/espectador/leitor. Desleixo transformado em arte. Transcrevo a poesia que fecha o livro e da qual gostei particularmente:
Última canção em Paraty
Tem de tudo aqui.
Até espuminha de leite
no Café Paraty.
tem um casal
que eu namoro
logo ali.
E tem um teatro e festival.
Tem umas muquecas
muito carregadas de dendê.
E umas ciganas querendo ler
as minhas linhas.
Mas eu não deixo não,
é tudo enganação.
E fico ali, na esquina
do princípio.
Querendo saber se o Marcus
está bem e se a Raquel
ainda me ama.
O Boris e o Yan em Campinas,
e eu aqui, escrevendo
à sombra do Café Paraty.
Só paro para olhar moço bonito
que passa empurrando a bicicleta.
E pra lembrar que já é hora
de me deixar partir.
Último café.
Ainda trago o frio banho
do rio na manhã
naquela ponte que não
tem fim.