De amizades e livros

Amigos

Amigos

Acho que é importante dosar a quantidade de amigos. Mesmo que sejam amigos amigos, o que é raro, convenhamos. Isso para quem está nesta profissão que resolvi encarar por vaidade e que muitos chamam de hobby: a literatura. Porque tenho dois empregos, a docência e a literatura e como eu acho que ambos são inseparáveis, dedico-me com igual paixão e afinco a ambos. Claro, se você é um promoter, desconsidere o que estou escrevendo. Aliás, se você é promoter, o que está fazendo aqui? Não devia estar ao telefone ou visitando sites mais descolados? O mesmo se aplica a outros profissionais, que vivem suas vidas com o objetivo de angariar amizades, porque têm preguiça de fazer algo mais interessante e produtivo. É como cuidar de plantas: se você possui muitas, é bom ter muito tempo disponível para aguá-las e assim por diante. Se não dispõe de muito tempo, o melhor é limitar o número de caules e folhas em casa. Amizades requerem tempo. Um churrasco no sábado, picanha e cerveja, é uma prova disso. Você vai precisar de, no mínimo, uma tarde inteira. O normal é a coisa desandar madrugada afora. Aí a manhã do domingo já está comprometida com a ressaca. Para um escritor ser reconhecido hoje em dia, ganhar prêmios e tal, ter contatos é importantíssimo. Amizades a todo vapor. Mas isso para quem quer ser reconhecido e para quem esse reconhecimento suspeitíssimo basta. O exemplo nos dá a Academia Brasileira de Letras: para se eleger, um candidato deve visitar o maior número de acadêmicos que puder – tome chá, uísque, conversa mole e lá se foi no mínimo um mês de campanha, um mês sem ler um livro direito e sem escrever uma linha decente. O escritor para ficar sob os holofotes da bajulação deve ter um rol de amizades que torna quase impossível o fazer literário. Então o que acontece é que esses caras não leem, porque preferem uma cerveja cotidiana com os amigos. Se alguém não lê, como é que pode escrever bem? É bom tentar reduzir o número de amigos a uns seis, sendo que destes uns cinco ou seis podem traí-lo na primeira oportunidade. Então para que perder tempo? E tem aquela outra cilada: amigo procura o outro porque precisa de um ouvido e outras vezes de um ombro e a trama pode se tornar complicada neste momento, porque é tempo perdido com, geralmente, os mesmos clichês (com as honrosas exceções, óbvio): futebol-sexo-novela. De maneira que se você passar numa livraria vai encontrar certamente alguém que olha torto para um livro de seiscentas páginas e se encaminha direto para a seção de auto-ajuda, que fica ao lado da de best sellers. Ora, ninguém pode culpá-lo, ele não tem tempo para se dedicar como devia a um livro, porque prefere ver na tela do cinema aquele romance badalado, de preferência com algum de seus amigos. Aplique tudo o que escrevi à amizade virtual e você encontrará uma humanidade apressada, mas apressada simplesmente porque tem tempo demais e não sabe o que fazer com ele.

Passeios

São Francisco

São Francisco

Naquela feira de artesanatos da Praça da República eu comprei uma camisa. Dá a impressão que é de algodão cru, o que me agrada bastante. Aquelas roupas de São Francisco. Mas isso foi domingo. Sábado passei na numa livraria, fiquei lá uma hora mais ou menos e encontrei só um livro interessante: “ó”, de Nuno Ramos. Era o lançamento do livro da Carla Dias, “Os estranhos”. Estava lá o músico Kléber Albuquerque, que está lançando um disco novo. Deste trabalho, fiquei ouvindo duas músicas ontem o dia inteiro: “Por um triz” e “Já não tenho medo”.

Escolha de Sofia

Meryl Streep

Meryl Streep

O cinema americano já fez coisas boas, claro. Há filmes geniais filmados naquele país e algumas vezes até por americanos. Quando falo de qualidade, não sei bem se é o caso de “A escolha de Sofia”, de 1982. Muitos podem achar a Meryl Streep o que há em termos de atriz, mas eu tenho algumas ressalvas. Como neste filme. Ela não consegue trazer uma sensualidade convincente para sua personagem. Aqueles seios deprimidos não se comparam nem remotamente aos empinados, eslavos e selvagens peitos da Sofia do livro de Styron. E ela venceu o Oscar pelo papel. O que não quer dizer muito, porque na Europa o filme foi ignorado. Natalie Wood foi cogitada para representar a instavel polonesa Sofia, sobrevivente de Auschwitz, mas o negócio acabou não acontecendo.

Natalie Wood

Natalie Wood

Zagreus

Zagreus

Zagreus

Quando lhe pedi de presente um gato, eu acrescentei que preferia um persa. Não por frescura, mas porque havia lido que os filhotes dessa raça não se importavam com a vida em apartamentos. Eu já sabia que o nome dele seria Zagreus, minha dúvida é se acrescentava o sobrenome Mersault. Não acho muito correta essa história de humanizar bichos de estimação, por isso não levo Zagreus para tomar banho em pet shops. Já que gatos não curtem água, ele só é forçado a encarar o chuveiro uma vez ao ano. Às vezes menos. E isso só porque de vez em quando eu o deixo correr na grama aqui do condomínio e ele acaba trazendo alguma pulga escondida no pelo. Também não corto suas unhas. Nunca pensei em colocar qualquer tipo de roupinha nele, mesmo no inverno. Bicho é bicho e tem o direito de ser bicho. Isso não quer dizer que eu o ache inferior a qualquer ser-humano: coloco-o em pé de igualdade.

Costumo me recordar do amor que o escritor Fernando Vallejo tem pelos animais.

Em Ituiutaba já ouvi alguns sermões: “em vez de cuidar de um gato, por que não adota uma criança?” Não vou discutir o mérito filosófico ou moral desse disparate. É que eu tive alguns amigos nesta vida. E ainda possuo alguns, quero crer. Um deles foi assassinado por um filho adotivo. Óbvio, o que não quer dizer que filho natural não mate os pais também. O que não quer dizer também que filho natural não ame os pais e que filho adotivo não ame os pais. É só que eu fiquei com esse trauma, que não consigo (e nem quero) superar. Outro dos amigos que tive também foi assassinado. Só que por um malandro que lhe pediu carona em um posto de beira de estrada. Por isso eu não dou carona a desconhecidos e muita vezes nem a conhecidos. Penso que ter esses problemas é bom, porque me mantêm atento.

Mas moralismo é coisa de cidade pequena e eu amo as cidades pequenas justamente porque podemos nos defrontar com preconceitos e nos lembrar que também somos preconceituosos e arrogantes. Nas metrópoles só existem pessoas civilizadas e deve ser por isso que nas cidades grandes eles cortam as cordas vocais dos cães que moram em apartamentos: porque os vizinhos não desejam ser incomodados com latidos. Essas modas que começam nas megalópoles e se alastram para o interior me assustam e luto contra elas.

Quem quer ser Henri?

Henri de Toulouse-Lautrec

Henri de Toulouse-Lautrec

Seus (pouquíssimos) amigos diziam que não chegaria aos quarenta. E não chegou mesmo. Viciado em absinto, foi se suicidando pouco a pouco. O motivo? Podemos ter uma noção se lermos o texto de Jules Roques, publicado no Courrier Français, em 1901, pouco após a morte de Toulouse-Lautrec, aos 36 anos: “C’était au physique un des êtres les plus disgraciés de la nature, une sorte de Quasimodo. Est-ce à cause de cela qu’il prit l’humanité en grippe et s’appliqua, pendant les quelques années de sa vie artistique, à déformer, caricaturer, avilir tout ce qu’il prit comme modèle”? (Fisicamente era um dos seres menos agraciados pela natureza, uma espécie de Quasímodo. E foi por isso que ele se desgostou da humanidade e se empenhou, durante os poucos anos de vida artística, para deformar, caricaturar, degradar tudo o que tomou por modelo?)

Não creio que fosse sempre assim. Algumas pessoas, como Louise Weber, La Goulue, ele até melhorou em sua pintura.

La Goulue arrivant au Moulin Rouge

La Goulue arrivant au Moulin Rouge

Stallone

John Rambo

Estavam transmitindo Rambo II agora. Acho que no Telecine Action. Mas a última frase do filme é memorável:

Comandante Trautman (o que tirou o Rambo da cadeia): Como você vai viver, John?

Rambo: Um dia de cada vez.

Pôxa, se até o Stallone é capaz de escrever um diálogo assim, ser escritor é a coisa mais fácil do mundo.

Sobre grávidas e ardísias

ardisia

Sabe quando você entra num coletivo e de repente consegue achar um lugarzinho vago lá no fundo, meio escondido por algum jornal ou por um passageiro com sono ou por uma secretária com um fone de ouvido conectado a um celular com mp3? Aí você corre e se senta lá, pedindo desculpas para a pessoa ao lado, pisando no pé de alguém e finalmente alcançando o banco para uma viagem mais sossegada. Aí o coletivo começa a encher, os escritórios vão cuspindo os funcionários no final do expediente e as pessoas se amontoam, porque viram num comercial uma vez alguém dizer que sempre cabe mais um e a televisão é uma entidade que nunca mente, como o padre ou o pastor da mais recente igreja. Daí, claro, aparece uma jovem senhora, de idade incerta e enganosa, com uma camiseta baby look que deixa metade da notável barriga a ver navios, passando frio. E agora? Está grávida ou não? Na dúvida, você resolve ficar no seu canto e seja o que Deus quiser. Mas o mundo está lotado de marmanjos e marmanjas politicamente corretos, que se acham no direito de ter direito em um país como o nosso, e um deles (de pé e com inveja daqueles que se sentaram) me cutuca, cochichando: “aí, não vai dar o lugar pra moça, não?” Meço o tamanho da boa alma e decido que dá pra ignorá-lo. Mas ele não fica satisfeito, né? Quer ser o benfeitor da humanidade, o novo Batman tupiniquim, novo Ronaldo Fenômeno. Provoca, bem alto, até o motorista consegue escutar: “aí, moça, a senhora não quer se sentar aqui?”, apontando meu assento. Fico quieto e Deus é bom e às vezes justo, já que ela pergunta: “Por quê?” “Aí, a senhora tá grávida, tem prioridade.” Prioridade, onde é que ele aprendeu a palavra, eu me questiono. Até a redenção: “Não, não, eu não tô grávida não.” Pronto, eu tenho meu conforto preservado e todos olham não para o sujeito, mas para a moça, analisando o tamanho do estrago que aqueles pastéis fora de hora fazem na silhueta dos outros. Mas, é claro que ele não aprende e no próximo ônibus que terá de pegar vai fazer a mesma coisa quando aparecer uma gordinha na sua frente.

Domingo eu comprei uma ardísia, uma planta também conhecida como café de jardim. Dou nome a todas as minhas plantas – Afif, Astum, Wadiha, Factótum e assim por diante. Mas travei com a ardísia e ainda não consegui batizá-la. Aceito sugestões.