Cavala, de Sérgio Tavares

Infelizmente não tenho tempo para ler todos os livros do mundo. Ninguém tem. Felizmente, as obras que devem ser lidas não chegam a 2% do montante. Tento ser, como diz o senso comum, um “leitor voraz” e se um romance ou um volume de contos não me agrada logo nas dez primeiras páginas, eu o abandono sem remorso. Ontem saquei da estante uma obra que vale a pena ser lida. Abandonei por algumas horas o W. G. Sebald, sugerido por Ronaldo Cagiano, e me embrenhei pelas páginas de “cavala”, que venceu o prêmio Sesc de 2009. A narrativa que dá nome ao livro é uma pequena obra-prima. Fala de uma ex-modelo que sofre de uma variante agressiva de TOC. O modo como Sérgio Tavares relata as manias, as crises de depressão, a fixação pela ordem onde é impossível haver ordem, é algo fantástico. A narrativa persegue o caos (no bom sentido) que a personagem sente dentro de si. No segundo conto aparece novamente o mendigo do primeiro – só que, se neste a ex-modelo só consegue sentir repulsa, naquele a protagonista, uma ninfomaníaca, extrai prazer da decadência e da degradação. Acho esse expediente, de utilizar a mesma personagem em diversos contos, muito interessante. O destaque é para a forma de narrar, lírica e ao mesmo tempo fragmentária, urgente.

Importante mencionar também que os contos são narrados em primeira pessoa. Outro dia li um resenhista escrever um absurdo. Atestou ele que o romance que criticava era bom, porque estava escrito em terceira pessoa, o que significava que o autor fugia dessa onda de falar de si próprio. Puxa, duas aberrações: o sujeito disse que o livro já era bom porque a história vinha narrada em terceira pessoa. Depois, o pior: na opinião dele, narrar em primeira pessoa significa falar de si mesmo. A julgar pelo argumento do resenhista, Sérgio deve ser uma ex-modelo anoréxica. 

Em breve escreverei uns comentários sobre o novo livro de poesia de Osvaldo Rodrigues.

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